A dimensão religiosidade / espiritualidade na prática clínica de psiquiatras em Salvador

Abstract

A religiosidade/espiritualidade (R/E) mostrou-se como uma importante dimensão para a área da saúde nas últimas décadas. Pesquisas revelam que práticas espirituais e religiosas estão associadas tanto positivamente a saúde física, mental e qualidade de vida, quanto negativamente, em menor proporção. Diversas organizações médicas já reconheceram a relevância dessa dimensão no âmbito acadêmico e clínico da psiquiatria, inclusive a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Entretanto, no Brasil, poucas escolas médicas ou residências têm cursos com currículos que tratem especificamente dessa temática, cenário que se reafirma devido à inexistência de uma diretriz curricular nacional de medicina a respeito da religiosidade/espiritualidade. Portanto, conhecer como os psiquiatras manejam a dimensão da R/E na prática clínica é fundamental para discutir quais elementos dessa dimensão são necessários à formação desses profissionais. Objetivos: Conhecer como os psiquiatras manejam a dimensão da religiosidade/espiritualidade na prática clínica. Métodos: Um estudo observacional, de abordagem qualitativa e de caráter analítico e exploratório foi conduzido com psiquiatras atuantes em Salvador que foram selecionados através do método de amostragem em Bola de Neve. Psiquiatras com registo ativo no Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia e experiência clínica igual ou maior que cinco anos foram incluídos, enquanto aqueles afastados de atividades clínicas por mais de dois anos foram excluídos. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com cinco psiquiatras de Salvador no período de 2020 a 2021, cujas narrativas foram analisadas conforme a Análise de Conteúdo proposta por Bardin. Resultados: Quatro categorias temáticas principais emergiram da análise de conteúdo das narrativas das entrevistas: 1) Percepções sobre R/E; 2) Relação entre R/E e saúde; 3) Manejo da R/E na prática clínica psiquiátrica; e 4) Dimensão R/E nos currículos de escolas médicas e residências psiquiátricas. A segunda categoria temática ainda conta com duas subcategorias: 2.1) Dimensão R/E como suporte à saúde e ao bem-estar; e 2.2) Dimensão R/E como entrave à saúde e ao bem-estar. Por fim, a terceira categoria temática conta com quatro subcategorias: 3.1) Coleta da história espiritual na avaliação da dimensão R/E; 3.2) Atitudes e condutas diante de demandas religiosas/espirituais; 3.3) Interferência das crenças pessoas; e 3.4) Contato com líderes e membros de comunidades religiosas. Os resultados apontam para a complexidade e subjetividade da dimensão R/E, que pode impactar tanto positivamente quanto negativamente na saúde, a depender das vivências e experiências de cada pessoa. Os psiquiatras entrevistados reconhecem a relevância dessa dimensão na prática clínica, destacando a importância da coleta da história espiritual, fundamentada em uma escuta ativa e aberta, e da disposição em trabalhar em conjunto com membros e líderes de comunidades religiosas. Além disso, os resultados revelam que as atitudes e condutas desses profissionais diante de demandas religiosas e espirituais de seus pacientes são divergentes e influenciadas por crenças pessoais. Por fim, evidenciou-se que a temática da religiosidade e espiritualidade integrada à saúde foi precariamente abordada durante a graduação e especialização dos psiquiatras, no entanto, as percepções dos entrevistados divergiram em relação à real necessidade de inserção desses conteúdos nos currículos. Conclusão: Os psiquiatras reconhecem a importância da dimensão R/E no contexto da prática clínica. Entretanto, o manejo dessa dimensão parece divergir entre os profissionais, principalmente, de acordo com suas percepções e crenças pessoais. Futuros psiquiatras necessitam receber uma formação que inclua a religiosidade/espiritualidade no processo de cuidado e acolhimento de seus pacientes visando a promoção de saúde em sua integralidade.