A depressão pós-parto como sintoma do dispositivo materno: o mito da Virgem Maria enquanto ideal de maternidade na contemporaneidade

Abstract

Tendo em vista que a moral, os valores sociais e religiosos criam e impõem uma idealização da função materna, é necessário discutir sobre os processos de subjetivação que constroem a ideia de que o amor materno é instintivo e intrínseco a todas as mulheres. Tal função carrega um valor como se ser mãe fosse o único caminho de realização e completude feminina. Desde crianças as meninas são socializadas através de uma pedagogia afetiva para cuidar do outro, responsabilizando-se pelas necessidades alheias, precisando muitas vezes abnegar-se de si mesmas. A autora Valeska Zanello discorre sobre o termo “dispositivo materno” em função da naturalização do ato de cuidar das mulheres, sendo que a culpa é o sintoma de que o dispositivo materno está funcionando e de que o ideal de maternidade foi introjetado. Este dispositivo funciona como uma tecnologia de gênero onde não há espaço para frustração, insatisfação, ou o próprio desejo de não ser mãe. Há uma falta de discussão sobre a saúde mental materna, em que o que se produz é uma patologização excessiva do sofrimento das mães, e as mulheres experimentam sentimentos contraditórios e inconciliáveis com a imagem idealizada de maternidade ditada pela cultura. Sendo assim, este trabalho teve como objetivo geral: analisar efeitos do dispositivo materno na subjetividade das mulheres e suas relações com a depressão pós-parto. Os objetivos específicos foram: (I) discutir como os sintomas da depressão pós-parto estão associados à tentativa de negar as ambivalências típicas da maternidade e (II) criticar o mito da Virgem Maria como um modelo de maternidade ideal imposta pelo dispositivo materno. Para isso, foi feito uma revisão narrativa de por meio de artigos acadêmicos encontrados nas bases de dados eletrônicos Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), livros de estudos de gênero e de Psicologia Analítica. Um dos sintomas da depressão pós-parto é o sentimento de culpa por estar sentindo rejeição com o bebê, que vai de encontro ao que é idealizado socialmente. Tendo em vista que o sentimento materno passa por ambivalências, é saudável admitir que há afetos ambíguos nesse processo. Em uma perspectiva simbólica da realidade, o arquétipo da Grande Mãe está no inconsciente e pré-disposto a assumir forma no consciente das mulheres, o que depende da interação de cada psique com sua cultura. A Virgem Maria, como aspecto do arquétipo da Grande Mãe, assume uma forma devota, submissa e ideal valorizada pela moral patriarcal e cristã. Para Jung, a psique é uma mistura de impulsos, bloqueios e afetos contraditórios, e assumir esse estado conflitivo é saudável para o desenvolvimento da nossa psique.